Mal de Montano

abril 4, 2010

João Cabral de Melo Neto – in: Revista da Cultura

Filed under: Aqui o mal geral,Outros Escritos — maldemontano @ 3:38 am

Um dos grandes nomes da poesia brasileira do século 20, João Cabral de Melo Neto nasceu no Recife, no dia 9 de janeiro de 1920. Seus primeiros dez anos de vida foram praticamente passados no engenho da família, em São Lourenço da Mata (PE). A infância à beira do Capibaribe o marcaria para sempre. Os trabalhadores da fazenda de seu pai lhe traziam folhetos de literatura de cordel, assim teve seu primeiro contato com a literatura. Sem saber ler, esses homens o escalavam para sessões de leitura nos momentos em que não estavam trabalhando nos canaviais.

Na juventude, já em Recife, ao ler Manuel Bandeira e Mario de Andrade pela primeira vez, ficou aliviado com a possibilidade de ser poeta sem escrever como Olavo Bilac. Até então, tinha horror à poesia por só ter tido acesso aos poetas parnasianos. “Aquilo me dava nojo”, diria mais tarde.

Mudou-se para o Rio de Janeiro com pouco mais de 20 anos. Aproximou-se do primo Manuel Bandeira, 34 anos mais velho, e também ficou amigo de Carlos Drummond de Andrade, a quem pediu para ser apresentado e apontaria depois como seu grande mestre na literatura brasileira.

O escritor e crítico literário, membro da Academia Brasileira de Letras, Antonio Carlos Secchin, que melhor analisou a obra de João Cabral, segundo o próprio poeta, avalia que Cabral é “o último grande clássico de nossa poesia, na sequência de Bandeira e Drummond”.

Para ter tempo e estabilidade financeira para ler e escrever, João Cabral escolheu a carreira diplomática. Em 1944, prestou exame para o Itamaraty e foi nomeado diplomata em dezembro de 1945 – profissão que seguiu por mais de 40 anos e lhe proporcionou grandes oportunidades culturais. Morou em vários países. A Espanha foi o primeiro deles e também a primeira viagem internacional do poeta, aos 27 anos. Viveu ainda na França, em Portugal, na Suíça, no Senegal e em Honduras. As viagens e as mudanças constantes eram uma obrigação profissional e o deixavam tenso, pois tinha medo de avião!

No documentário Recife/Sevilha – João Cabral de Melo Neto, dirigido por Bebeto Abrantes, sua filha, a cineasta Inez Cabral, conta que ele temia morrer em um desastre aéreo e por isso preferia fazer as viagens sozinho. A família sempre ia depois. João Cabral também não gostava de se envolver com a parte prática das mudanças, deixava essa tarefa para a esposa, que tratava de organizar tudo enquanto ele esperava no hotel.

Nenhum país o marcou tanto quanto a Espanha. O homem e as manifestações culturais do país o fascinavam, mais precisamente a cidade de Sevilha, onde foi cônsul-geral entre 1962-1964. As touradas também despertavam o seu interesse. Em certa ocasião, o poeta Ferreira Gullar o acompanhou para conhecê-las. “Eu achei aquilo de um sadismo imenso, mas ele gostava”, revela Gullar. “Para ele, era a vitória da razão contra a animalidade”, completa.

Na casa de João Cabral, em Barcelona, Gullar perguntou o porquê de tantos quadros concretistas na sala. Cabral respondeu que precisava de alguma coisa que tivesse ordem, já que a sua cabeça era uma grande confusão. “Ele não era formalista porque queria. O que ele tinha era uma necessidade de ordem. Queria se livrar da sua instabilidade emocional através de coisas concretas. Por isso mesmo, para entender João Cabral, é preciso entender como ele era, e não julgá-lo pelas coisas que se diziam a seu respeito”, conclui.

Engenheiro da Palavra
João Cabral tinha como diferencial a construção de sua poesia. Achava que ela precisava ser feita arquitetonicamente, tal como a flor: não precisava ser perfumada ou cheia de sentimentalismo derramado. Conhecido como o Engenheiro das Palavras, era contra a espontaneidade. “Da primeira palavra à última, todas elas têm que ter um sentido, de forma que a primeira é tão difícil quanto a última”, explica o próprio poeta em cena do documentário Recife/Sevilha.

O jornalista e biógrafo José Castello esteve com João Cabral em 21 longos encontros para escrever o livro João Cabral de Melo Neto – O homem sem alma. Ele explica que o poeta criou um mito em torno de si. “O homem sem alma (alma como mundo interior, e não no sentido religioso), seco, contido e cerebral, era apenas uma casca, uma armadura. Bela armadura, aliás, que lhe rendeu poemas extraordinários. Mas, dentro de João e seus poemas, os sentimentos, os conflitos e a desordem ferviam”, explica o autor.

Castello conviveu com Cabral de 7 de março de 1991 a 6 de abril de 1992, quando o poeta, já tendo encerrado sua carreira diplomática, vivia em um apartamento na praia do Flamengo, no Rio. Nessa fase, João Cabral estava com a saúde frágil e sofria de uma depressão a qual preferia chamar de melancolia. “Quase não saía mais de casa e, por causa dos problemas de visão, não via mais futebol na TV, o que adorava fazer. Não suportava mais ler literatura, porque se emocionava demais. Tentava ler ensaios de geografia ou de história, mas até eles o perturbavam. Estava com a sensibilidade à flor da pele”, conta.

A solidão e o vazio eram enfrentados na companhia das pessoas que o visitavam. João Cabral não acreditava em psicanálise, pelas más lembranças de um período de seis meses que passou internado em um sanatório, na juventude, por sugestão de um primo médico, para tentar se livrar das constantes dores de cabeça que sentia. Segundo dizia, elas começaram quando, aos 16 anos, foi rejeitado para um trabalho como jornalista.

Durante 50 anos, essas crises constantes de enxaqueca o acompanhariam e a aspirina seria a sua grande compulsão. A dor só desapareceu em 1986, quando foi submetido a uma cirurgia de emergência por problemas no estômago e cortaram-lhe o nervo simpático.

Já a melancolia o acompanhou até o fim da vida. Teria começado quando, em 1952, foi acusado de subversão por Carlos Lacerda [governador do Rio], por ter escrito ensaio sobre o escultor e pintor espanhol Joan Miró. “Talvez por ter sido visto como alguém que eu não sou”, disse Cabral a José Castello.

Seus últimos anos foram de grande vazio por conta de uma doença degenerativa que o fez perder a visão. Considerava a cegueira castigo, ela o privava das duas coisas que mais gostava de fazer: ler e escrever. João Cabral de Melo Neto morreu no dia 9 de outubro de 1999, aos 79 anos, no apartamento em que morava, na praia do Flamengo, na zona sul do Rio.

A obra
O autor de Pedra do sono (1942), Os três mal-amados (1943), O engenheiro (1945) e Psicologia da composição (1947) ficou impressionado ao ler uma reportagem informando que a expectativa de vida na Índia era de 29 anos e no Recife, 28. Escreveu, então, O cão sem plumas, publicado em 1950. A partir daí, dizia, Pernambuco não o largou mais. Sua obra completa foi reunida e publicada em 1994.

Cabral considerava o clássico Morte e vida severina, de 1956, uma obra menor, que não chegava a ser poesia. Era “apenas” um monólogo- diálogo, apesar de ser sua obra mais popular. Segundo Antonio Carlos Secchin, “ele propositalmente desvalorizava Morte e vida severina, talvez para chamar a atenção para outros títulos de sua obra. Um poeta de sua estatura não pode mesmo se ver reduzido a um só livro, ainda que seja magistral e de merecido sucesso, como esse título inesquecível”. ©

abril 3, 2010

Geração Beat – Como esquecer…

Filed under: Mal do dia,Outros Escritos — maldemontano @ 3:46 pm

por Lendo.org

Para mim, falar de livros, além de ser sempre um prazer, me remete à cultura, ao tempo e espaço onde o escritor se inspirou para escrever seu livro. Eles são eternos, porém datados política e socialmente. Quando um escritor tem sua inspiração para desenvolver sua obra, ele está cercado pelo espaço e pelo tempo e, assim, não tem como não catalogarem seu livro, questões sociais, comportamentais e filosóficas. Respeito, mais que tudo nesta vida, aquele que emprega seu tempo e seu coração no ato de escrever. São deuses os escribas e devem ser sim reverenciados como disse-o bem nosso querido amigoChristian Gurtner.

Hoje vou falar de Jack Kerouac, para mim um dos maiores e mais sensíveis escritores de seu tempo. Vou falar de revolução cultural. Revolução! Uma revolução cultural que ficou conhecida como a Geração Beat.

On The Road - Jack KerouacOn The RoadCompare preços e economize dinheiro

Em 1957, Jack Kerouac publicava On The Road e iniciava uma revolução cultural nos Estados Unidos. Este livro tornou-se o manifesto da geração beat, que rompia com o compromisso doamerican Way of life e pregava a busca de experiências autênticas, um compromisso selvagem e espontâneo com a vida até seus mais perigosos limites. Diante de uma sociedade que aniquilava o indivíduo, os beatniks queriam uma consciência nova, libertada de padrões, escolhiam a marginalidade. (Trecho O Autor e sua Obra)

Não queriam continuar numa sociedade morna, desprovida de vida, de ação e liberdade de pensar e viver.

Apesar das experiências com o êxtase através das drogas, na minha opinião é apenas um detalhe dada a importância desta revolução, a geração beat marcou nova era no mundo cultural. O homem tem direitos de indivíduo e o mais sagrado é, possivelmente o de mudar o Status Quo. Perceber que pode repensar as coisas e, diga-se de passagem, estamos falando de uma revolução artística – Literatura essencialmente…

Os Beatniks

Por intermédio de Burroughs, Kerouac tomou contato com escritores como Kafka, Céline, Spengler e Wilhelm Reich. Os três amigos passaram a conviver com as barras pesadas do Times Square.

Descendente de uma família de franco-canadenses,Jack Kerouac recebeu uma educação católica e graças às suas aptidões de atleta foi estudar na Universidade de Colúmbia. Lá no Campus, conheceu Allen Ginsberg, também estudante eWilliam Burroughs, formado em Harvard. Os três iriam se tornar os principais representantes da geração beat.

Em 1947 Kerouac resolveu sair viajando pelo mundo e pegou a estrada. Associou-se com vagabundos, caroneiros, e bebeu muito por aí. Terminou o On The Road em 1951. Seu estilo é notável e inconfundível, com suas longas frases, onde descartava o uso da pontuação.

Mas sempre foi um individualista. Terminou dividindo um apartamento com sua mãe, onde pintava quadros com Cristos tristes, ficava horas a fio diante da televisão. Ou seja, era, no fundo um espírito conservador e não entendia como influenciara pessoas como Allen Ginsberg (poeta)!

Considerado um rebelde existencial, quedou-se ao budismo mas foi sempre um inadaptado ao mundo em que vivemos.

Escreveu vários romances, como “O Subterrâneo”, Desolate Angels”, “The town and the city”, entre outros.

Se alguém estiver se perguntando o que a geração beatnik tem a ver com os dias de hoje, eu poderia responder, de pronto, que tudo que somos e fomos depois desta revolução, tem a ver com a abertura literária no campo das experiências, da pós modernidade, da noção de liberdade de pensamento e principalmente, tem a ver com a felicidade de fazermos parte de uma cadeia de pensadores e escritores que nos deixaram um legado inestimável.

Trechos de On The Road

Casualmente, uma gostosíssima garota do Colorado bateu aquele shake pra mim; ela era toda sorrisos também; eu me senti gratificado, aquilo me refez dos excessos da noite passada. Disse a mim mesmo: Uau! Denver deve ser ótima. Retornei à estrada calorenta e zarpei num carro novo em folha, dirigido por um jovem executivo de Denver, um cara de uns trinta e cinco anos. Ele ia a cento e vinte por hora. Eu formigava inteiro; contava os minutos e subtraía os quilômetros. Bem em frente, por trás dos trigais esvoaçantes, que reluziam sob as neves distantes do Estes, eu finalmente veria Denver. Imaginei-me num bar qualquer da cidade, naquela noite, com a turma inteira; aos olhos deles, eu pareceria misterioso e maltrapilho, como um profeta que cruzasse a terra inteira para trazer a palavra enigmática, e a única palavra que eu teria a dizer era: “Uau!”…

setembro 13, 2008

Abaixo o hábito de ler

Filed under: Mal do dia,Montanas,Outros Escritos — maldemontano @ 2:16 pm
Por Solange Pereira Pinto (escritora, professora e arte-educadora)

A escola da minha filha tem um programa de leitura chamado ciranda do livro. O objetivo é que cada criança pegue uma obra para ler no fim de semana e faça, na apostila encadernada em espiral, uma atividade pré-determinada (desenhar uma passagem, escolher um personagem favorito, ilustrar a idéia principal, fazer um breve resumo etc.).

Imagino que nem todos os alunos façam a tarefa de bom grado. No início a escola tentou uma competição: a criança que pegasse mais livros na biblioteca ganharia um prêmio ao término do período X. Minha filha logo chiou: “mamãe, assim não vale. Tá muito chata essa história de quem lê mais. Tem gente que só pega livrinho fininho e com muita figura pra ler rápido e pegar outro. Eu que escolhi pelo título, por que achei interessante a história, vou perder. O meu livro é muito mais grosso que os outros!”, choramingou.

Tinha ela razão. Vencer a competição era o objetivo das crianças sob o pretexto da escola de formar o hábito da leitura e quiçá cidadãos do futuro. Nesse meio tempo, crítica daqui, chororô acolá, ficou difícil para a professora lidar com a manobra “pedagógica”, deslindada pela pequena estudante.


O projeto competitivo saiu de cena e a apostila em espiral continuou seu trajeto, às sextas-feiras, mochila adentro; só que agora sem a pressão de se ser o primeiro lugar no ranking de “leituras lidas”. Algumas crianças ficaram aliviadas. Alguns pais também. Ufa!

Chegado o dia de mais uma escolha, minha menina, que se chama Ana (Luísa) optou por pegar um livro chamado Ana e Ana, segundo as palavras dela “achei pela capa que podia ser interessante”. E era. Aliás, é!

O livro de Célia Godoy, ilustrado divinamente por Fé, narra a história das gêmeas Ana Carolina e Ana Beatriz, que idênticas na aparência tentavam se distinguir por cores, roupas, adereços, ainda que “por dentro” fossem bem diferentes nos gostos e afinidades com o mundo. Cresceram e cada uma tomou um rumo, até que…

Até que eu parei para pensar se a leitura é um “hábito-ato” possível de se formar em alguém. Sendo professora há algum tempo e exatamente na área de produção de textos, leitura e interpretação, recordei das principais dificuldades e justificativas dos meus alunos quando perguntados sobre o tal, difundido, alardeado: hábito de ler!

Em geral, se apontam desconcentração, sono, preguiça, falta de exemplos familiares, ausência de livros em casa, dificuldade de entendimento, cansaço, visão embaralhada, e, principalmente, falta de tempo! Questionados sobre este último item, respondem: “ah, professora tem muita coisa melhor a fazer do que ler, como ver TV, praticar esportes, sexo, passear, navegar pela internet…”.

“– Mas céus! Vocês não gostam de ler nada?”, re-interrogo.
“– Também não é assim. A gente lê sobre o que gosta ou sobre o que precisa”.

Se tempo é uma questão de prioridade, e nele a gente ocupa primeiro o que dá prazer ou necessita, aonde entra o esforço pedagógico de formar o hábito de ler? Creio que na vala comum.

Diz o companheiro Houaiss que hábito é “maneira usual de ser, fazer, sentir, individual ou coletivamente; costume, regra, modo, maneira permanente ou freqüente, regular ou esperada de agir, sentir, comportar-se; mania”.

Ora, formar o hábito de ler para quê?

Em certa medida, quem tem uma formação escolar considerada razoável (sei lá o que isso significa) lê o que lhe atrai. Jornais, almanaques, cadernos de esporte, revistas semanais, publicações de fofocas etc, estão pelas esquinas e bem amassadas, indicando que mãos e olhos passaram por ali.

E daí?

Nada!

O hábito de ler, melhor formulando, a prática de ler não significa em essência nada. O costume de ler pode ser um desábito de adquirir conhecimento. Entrar no piloto automático da leitura não traz por si só transformação.

Se ler é um dos caminhos para se chegar ao conhecimento de determinado fenômeno, idéia, verdade, ler por ler é no máximo chegar à aquisição de dados brutos e informações superficiais, massificadas, deglutidas por seus autores para todos.

Hoje deveríamos por em pauta, conclamar, não o desgastado hábito de ler, mas sim o hábito de pensar, o hábito de querer saber, o hábito de ser curioso. Se os próprios considerados – pelos professores – não-leitores admitem ler o que lhes interessa, óbvio seria despertar antes a vontade de conhecer. Ler, por hábito, deveria deixar de ser regra de conduta apregoada pelas escolas. Transformar o pensamento e ampliá-lo por desejo, deveria ser a etiqueta.

Ler é mera conseqüência. A causa é querer sair do lugar-comum, voar sem tirar o pé do chão, pensar para existir… Meu hábito maior é “Ser” e por isso eu leio muito. Dessa forma, vou me desabituando de mim para me habituar às minhas releituras…

maio 13, 2008

O chinês e os pratinhos

Filed under: crônica,Montanas,Outros Escritos — maldemontano @ 1:30 pm
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Outro dia ouvi a confissão de uma amiga: não quero mais ser pratinho. Quero é ser o chinês.

Não entendi, tive vergonha de perguntar. Pensei ser gíria de gente nova e é nessas e outras que a gente entrega a idade. Não resisti, no entanto, a curiosidade a corroer.

Ela, então, explicou.

Tem homens (e ela estava falando em termos do gênero masculino, mas acho que vale para os dois) que mantém várias paqueras/relacionamentos/casos como os pratinhos que o chinês roda com varetas. Ele fica ali, rodando um pratinho, até que sente que outro está caindo. Ele então corre para este outro e agita a vareta. O pratinho começa a girar de novo, no ritmo do chinês. Até que ele vê outro que está quase caindo e se dirige para lá. E assim por diante, de modo que nenhum cai.

Achei a metáfora sensacional e me perguntei quantas vezes já fui pratinho na vida. Muitas, concluí. Chinês mesmo acho que nunca.

Minha amiga diz que quer ser um, mas eu duvido. Sei disso porque quando arruma um pratinho, fica satisfeita só com ele, rodando-o sem interrupção, com cuidado para que não caia jamais. E o pratinho, por sua vez, sendo o único, gira seguro, sem o menor medo de cair.

A metáfora é maravilhosa porque é verdadeira, retrata bem os relacionamentos atuais. Ao mesmo tempo é triste justamente porque é verdadeira e retrata muito bem os relacionamentos atuais.

Ando me imiscuindo na filosofia. O porquê disso não vem ao caso. Cada um recorre ao que lhe parece mais interessante para tentar ser mais feliz. A propósito, o livro do Alain de Botton chamado “As consolações da filosofia”, que mostra os motivos pelos quais grandes filósofos enveredaram por este caminho, que vão desde a falta de dinheiro, até desilusão amorosa, passando pela inadequação social.

Pois bem. Andei lendo André Comte-Sponville.

No delicioso livro “A felicidade, desesperadamente” explica ele, citando o pensamento de alguns filósofos da antiguidade: a pessoa só é feliz quando tem o que deseja. Acontece que desejo é falta; só desejamos o que não temos. Quando obtemos o que desejamos, continuamos sem ser felizes porque a felicidade é ter o que se deseja e não o que se desejava.

Complicado. Claro que ele propõe algo contra o círculo vicioso e aí vamos ao livro. Muito melhor lê-lo do que se contentar com parcas linhas de resumo.

Só sei que pensando nisso e relacionando com a história do chinês e seus pratinhos, vejo que os homens, e isso falo no sentido lato, só têm vontade de rodar o pratinho quando ele está caindo. Só deseja, portanto, o que falta, ou no caso, o que está quase faltando. O mais difícil, no entanto, é desejar o que se tem e, conseqüentemente, ser feliz com isso. Voltando ao nosso exemplo: rodar “o” pratinho (e não “um” pratinho), com dedicação e eficiência e sentir prazer nisso, mesmo ele estando lá firme, sem perigo de cair.

É isso o que eu quero: uma interação tal, que não importe ser o chinês ou o prato.

Queria aconselhar minha amiga a tentar também, mas não sei se me escutará, tão obcecada está com o objetivo de passar de pratinho a chinês.

Fica a torcida para que ela acesse o blog e leia a crônica.

por Selena Carvalho

abril 16, 2008

Escrever dá trabalho, trabalhar não dá

Filed under: Montanas,Outros Escritos — maldemontano @ 11:29 pm
Por Solange Pereira Pinto
Minha necessidade de escrever me atabalhoa. É que preciso (do verbo necessitar para sobreviver) de fazer outras coisas e me pego pesquisando pra escrever um texto novo ,cujo tema me entope veias e entala a garganta.
Escrever é como ar para mim. Se o tema vem à baila, tem que bailar. Melhor dizendo, tem que bailar lindamente, de salto alto, traje a rigor, um bom perfume, um brinco adequado, para rodopiar no salão sem tropeço e receber aplausos no final (ainda que seja o auto-reconhecimento).
Por isso, fico parecendo madame em dia de festa. Corre daqui. Ajeita dali. Sua acolá. Uma trabalheira que só! Praticamente um sofrimento. Aliás, um masoquismo, por que no meio de tudo isso há prazer.
Escrever dá trabalho! É fundamental pesquisar o tema. É essencial usar o dicionário. É recomendado olhar a gramática. É aconselhável pedir alguém que leia para ver se o dito está de fato dito como deve ser dito (traduzindo: se a mensagem está do jeito que você quer). É indispensável revisar, revisar, revisar.
Nessa ida e vinda de dedos saltitantes pelos teclados, idéias pululantes na cabeça e ponteiros agitados numa pressa que não compreendo o motivo (hahahaah), vou me perdendo do senso de realidade (?) e obrigações (!).
Obviamente, a dona responsabilidade fica se metendo entre cada parágrafo, obrigando-me a correr com o texto, pois é hora de outros afazeres mais importantes (?).
Dou uma driblada nela. Peço um minutinho a mais, emendo mais um parágrafo. Mas o alarme está ali “bléimmmmmmmmm, pára! Chega! Tá passando da hora!”. Estou quase na conclusão do texto quando se faz urgente me levantar e sair para mais um compromisso remunerado (ainda que insuficiente).
Nessa toada vou me frustrando e tentando compreender por que escrever dá trabalho e não é reconhecidamente um trabalho, e por que trabalhar nem dá tanto trabalho, na maioria das vezes mais aporrinhação. Ou por que não pode ser este o meu trabalho diário remunerado (já que o faço diariamente). Ou por que tenho a incontrolável necessidade de me ocupar com algo que não me sustenta o corpo, porém indescritivelmente me alimenta o ser.
Enquanto não entendo esse mundo vou me perdendo entre as linhas de mais um pensamento para alinhavar outro argumento. Se a existência é mesmo incompreensível, gastar mais uns minutos traçar novos períodos não deve ser crime ou objeto de castigo.
Assumo as penalidades e vou para o grande final, pois o baile já vai começar…

abril 12, 2008

As Isabellas que alimentam nossas sensibilidades e crueldades

Filed under: Mal do dia,Montanas,Outros Escritos — maldemontano @ 6:29 pm

Por Solange Pereira Pinto

Euzinha, como jornalista que sou, e ferrenha questionadora das mídias, suas manipulações e sensacionalismos, poderia neste caso da Isabella Nardoni esculhambar a imprensa que divulga há mais de uma semana – com incrível veemência – a queda da menina de cinco anos e mais do que subjetivamente induz a sociedade contra o pai e/ou a madrasta da menina.

Em contraposição, poderia também dizer que a opinião pública, que aparentemente clama por “justiça” gosta de comer cadáveres frescos. Ou quem sabe, poderia dizer que a morte do menino João Hélio, também largamente especulada e veiculada com orgulho pelos meios de comunicação de massa, já estava gelada demais.

De outra forma, posso relembrar o caso da outra Isabela, a Tainara, que desapareceu em maio do ano passado em Brasília e foi encontrada decapitada, chocando a capital federal e todo o Brasil, cujas investigações foram transmitidas quase em tempo real (sendo manchete de capa por dias) e o tio era um suspeito em potencial. Só que quase um ano depois, houve a prisão de um vizinho (da avó da vítima) que confessou o crime. Porém, as causas permanecem ignoradas. Que pena, queria tanto saber os detalhes…

Recapitular, quem sabe, a morte do índio Galdino que chocou o país por ter filhos da classe média envolvidos num crime tão bárbara e covardemente montado pelo Correio Braziliense e similares ajuda a esclarecer o título deste texto. Ou o ícone Guilherme de Pádua (assassino da filha da novelista global) que muita gente ainda crê ser absurdo o fato de ele estar livre e recompondo a própria vida, já que a nossa sociedade quer mais do que justiça e grita, sim, por vingança.

É que um pouco de tudo praticamente cai no esquecimento (principalmente a autocrítica). Tem gente que anda dizendo que o caso da Nardoni pode se assemelhar ao da Escola Base, cujos donos foram amplamente “acusados” de pedófilos, indo a bancarrota, para depois em notinhas serem admitidos como inocentes.

A nossa gente, nossa espécie, se alimenta como urubu da carniça. Somos feitos de clichês e maracangalhas. Enquanto esses crimes podem reascender a sensibilidade humana do “ohhhhhhhhh como isso pode acontecer!”, ressalta também a crueldade do “queremos justiça até queimar no fogo do inferno!”. Entre a sensação de pena e de vingança vamos comprando jornais, vendo TV, comentando nos botecos e repartições públicas nossos vereditos fundamentados em superficialidades e especulações.

“Lembra-se da mulher de Belo Horizonte que jogou o bebê na Lagoa da Pampulha? Dizem que não tinha problema psiquiátrico e tampouco depressão pós-parto… Vai saber por que alguém joga um ser indefeso ao léu! Só pode ser uma monstra”. “Ah, mas monstra maior é aquela empresária de Goiânia que torturava a adolescente, um horror!”. “Que nada, monstros são os jovens que agrediam prostitutas nos pontos de ônibus”…

Sim. Monstros fazem nossa cabeça. Ligar a TV ou ler o jornal para saber monstruosidade da hora é café da manhã melhor que pão e leite, como bem retratou o filme Hotel Ruanda durante o massacre dos Tútsis pelos Hutus.

Ocupar do comezinho nos torna “melhores”. “Ele faz e eu não!”. Aliás, eu não faço como ele faz, eu bato devagarzinho…

Porém, entre uns e outros casos divulgados há centenas de abusos, absurdos, despropósitos, maus-tratos, mortes acontecendo no anonimato. O que tem feito um caso ser notícia e outro não? O tempo que se demora para cortar as redes de uma janela? Como se dá a seletiva para as quartas de final para o horário nobre? Quem dá mais? Ibope…

A mídia cumpre seu papel capitalista: vender. A gente cumpre o nosso papel: acusar ou acolher dependendo do lobo a alimentar. Desse jeito está tudo certo. Uma sociedade que não quer sair da bóia precisa de Judas para malhar. Uma imprensa que não precisa elevar o nível (ao contrário vende mais quando abaixa) distribui defuntos pelo controle remoto. O senhor fulano que levou bronca do chefe precisa esculhambar alguém. A dona cicrana que é tida como a mais bem-informada do reduto precisa de novidades por minuto. E a espécie humana, que se acha muito civilizada, peida cheiroso e acha que a bosta do outro é a que fede.

Mas me diga ai: quem são as Isabellas que alimentam as SUAS sensibilidades e crueldades?

abril 15, 2007

Ficção diária…

Filed under: Outros Escritos — maldemontano @ 2:23 am

Quinta-feira, Março 29, 2007


TODA VIDA DARIA UM LIVRO
Estamos cercados de narrativas e histórias inventadas por todos os lados. E isso é muito bom. Entenda por que uma dose diária de ficção é essencial em nossa vida
por  Fabrício Carpinejar

A história foi a seguinte: eu estava trocando dois dedos de prosa com a escritora Ana Miranda sobre a importância da ficção em nosso cotidiano, tema desta matéria. Ela então me olha muito estranha e diz: “Como assim?” Em seguida, parecendo imediatamente refeita do susto, faz uma declaração exultante, apaixonada: “O cotidiano não passa de uma ficção. Deus inventou o dia e nós, o dia-a-dia”.

Não é preciso ser escritor para desconfiar que estamos cercados por ficção desde o raiar do dia até o pôr-do-sol – nas tiras de quadrinhos do jornal, nos games, na novela das 8, nas peças de teatro, nas histórias, causos e anedotas contados por todos em conversas corriqueiras e (evidentemente) nos livros. Essa dieta de ficção começa bem cedo em nossas vidas: ainda crianças pequenas, ouvimos as fábulas contadas pelos nossos pais, imaginamos histórias sobre cigarras e formigas, contos arrepiantes sobre monstros marinhos, somos platéia para alegres enredos sobre a turma de uma menina dentuça e muito brava, as aventuras de um certo camundongo…

E isso tem prosseguimento por toda a vida. Depois, aprendemos a ler e vamos procurar livros de aventuras, romances, vamos ao teatro e ao cinema, jogamos Mario Bros, participamos de RPGs – enfim, perpetuamos nossa busca por histórias inventadas. Por que acontece isso? Melhor dizendo: por que é universal e atemporal esse desejo por ficção? Por que é essencial essa dieta de sonhos? Quais são os ganhos para quem consegue ter uma vida equilibrada entre a realidade (às vezes, a dura realidade, aquela que só costumava aparecer em alguns livros lidos na adolescência) e a imaginação? Muitas perguntas, não resta dúvida. Mas segure-se na poltrona, vire a página, respire fundo e acompanhe os próximos capítulos dessa história. Porque você também é protagonista dela.

Era uma vez…

A magia da ficção está ligada aos contos de fadas. O famoso “Era uma vez” é a tecla play do imaginário das crianças, capaz de dar movimento, luz e som aos sonhos vida afora e expulsar o medo do escuro. A disponibilidade para a ficção nos anos de maturidade depende do que é capturado nessa primeira fase da vida. Assim como nosso equilíbrio entre real e irreal, entre o prosaico e o imaginado. “A infância é a época em que essas fantasias precisam ser nutridas”, escreve o psicólogo austríaco Bruno Bettelheim (1903-1990) em A Psicanálise dos Contos de Fadas. Isso porque, sendo um estágio que vai definir um bocado da nossa personalidade futura, a infância é o terreno mais fértil para plantar os sonhos e despertar os pequenos para a necessidade da invenção para enfrentar a realidade.

Os contos de fadas representam um corrimão para as crianças firmarem os próprios passos, brincarem com as idéias e tentarem entender seu universo. “Oferecer para a criança o pensamento racional como forma de organizar seus sentimentos e compreensão do mundo só servirá para confundi-la e limitá-la”, afirma Bettelheim, que comprou a briga na defesa dos contos de fadas como o pontapé inicial de uma vida mental mais saudável. Contrariou os pais que identificavam nas histórias fantásticas uma fuga da realidade. “Não lhes ocorre que a verdade na vida de uma criança possa ser diferente dos adultos. Não percebem que os contos de fadas não tentam descrever o mundo externo e a realidade. Nem reconhecem que uma criança sadia nunca acredita que esses contos descrevam o mundo realisticamente”, diz. “A verdade dos contos de fadas é a verdade de nossa imaginação.”

Quando um pai ou uma mãe conta uma história ao filho, está se aproximando ainda mais da criança. “O potencial que teremos de abstrair vem dos encontros com nossos responsáveis. Da qualidade desse encontro. O conto de fadas é um pretexto para o diálogo”, diz o psiquiatra e poeta gaúcho Celso Gutfreind, doutor em Psicologia Clínica pela Universidade Paris XIII, na França.

O pesquisador realizou terapia durante seis anos com crianças separadas de seus pais e com transtorno de conduta no grupo hospitalar Pitié-Salpetrière, na capital francesa. Seu método utilizava contos de fadas. A experiência está reproduzida no livro O Terapeuta e o Lobo. Entre muitas crianças, Gutfreind notou que elas não tinham capacidade de abstração. Confundiam os personagens com a realidade, não como mediadores dela. “Tive que recorrer às canções de ninar e às cantigas, como se fossem bebês, porque não se distanciavam de seus problemas”, afirma.

Com as crianças, o psiquiatra aprendeu duas virtudes que são benéficas nos contos de fadas – e que, no limite, valem para todos nós, que adoramos ouvir (ou ler, ou assistir) uma história. Primeiro, a situação de plena troca. O menino ou a menina, durante meia hora, tem toda a atenção voltada para si. Alguém está olhando firmemente para seus olhos, dando seu tempo, importando-se com sua reação, alisando seus cabelos. “A criança é o ator e a mãe ou o pai é sua platéia”, diz Gutfreind.

A segunda se refere à estrutura aberta e simbólica do conteúdo. “A criança se projeta na história, joga nela seus conflitos, seus desejos, suas brigas, sem que a história a ameace. É ela mas não é ela. As fadas, as bruxas e os ogros formam imagens indiretas do pai ou da mãe. São eles mas não são. O filtro simbólico sossega o coração da culpa pelos sentimentos adversos”, completa. Para atiçar a alegria criativa e mantê-la acesa durante a vida inteira, o Gutfreind tem a receita na ponta da língua: “Conte para seu filho histórias que dão prazer a você. Só podemos nos encantar quando estamos encantados”.

Reeducação

Estamos cercados de linguagem e narrativas por todos os lados, da manhã à noite. Na TV, nos papos de bar, na crônica lida entre um compromisso e outro. Ao descansar, ainda estamos operando fantasias e sob o encanto da ficção. Tanto que a escritora Ana Miranda não desperdiça o mistério de nenhum dos seus sonhos. A autora de Boca do Inferno, romance sobre o poeta Gregório de Matos, anota seus devaneios em uma série de caderninhos, hábito preservado de menina. “Tudo o que faço em minha vida tem conexão com o mundo onírico”, diz. Ainda hoje se vendo como uma criança, de olhos graúdos e penteados pela luz, o excesso de infância está guardado dentro dela como um alçapão de histórias fantásticas. “O silêncio formou-se em mim como um mundo ficcional. Eu não dizia nada, não respondia a perguntas, depois abria o caderno e escrevia o que eu não havia dito. E escrevia corrigindo o mundo, adequando-o a minhas necessidades internas”, afirma.

As dores e as alegrias de nosso cotidiano e dos nossos sonhos não sobreviveriam sem uma narrativa, que une todas as manifestações culturais num único DNA. Como escreveu o filósofo alemão Walter Benjamin: “A experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte a que recorrem os narradores. E, entre as narrativas escritas, as melhores são as que menos se distinguem das histórias orais contadas pelos inúmeros narradores anônimos”.

A arte é a vida organizada, distribuída em capítulos e episódios. Dependemos de uma síntese, para que os milhões de gestos, vozes, palavras, sons, tiques, hábitos e cheiros não caiam no vazio. Onde estariam os milhões de frases ditas nas manhãs, nas tardes e noites, se não houvesse uma coerência invisível interligando-as, cruzando os fios em longa tapeçaria e formando um sentido para a memória?

Por isso, deixar-se encantar por histórias é essencial. E não só as fábulas, cuja origem é mesmo fornecer uma explicação fantasiosa da realidade. Parece até um paradoxo digno de um conto, mas não é: a ficção, por nos permitir sair um pouco da realidade, é como aqueles períodos de férias em que várias idéias e resoluções para nossa vida aparecem com clareza. Distantes das preocupações do cotidiano, mais leves para encarar a vida e com a cabeça mais descansada, as férias nos permitem esses vôos mais distantes. Assim pode ser entendida a ficção. Ela é como esse período longe de tudo, férias da mente e do espírito, em que afastados das durezas diárias e encantados com enredos que muitas vezes (ainda bem!) em nada se parecem com a vida real, somos obrigados a rever nossos valores, nos defrontamos com outras alternativas para a vida. A ficção – as histórias, a imaginação – nos reeduca para a vida.

Por isso é que alguns personagens da literatura (e, mais tarde, aqueles surgidos do cinema, das histórias em quadrinhos, das séries de TV) ajudaram a moldar a visão de mundo de gerações inteiras de leitores em todo o mundo. O cavaleiro delirante de Dom Quixote, de Cervantes: o sonho e aventura. O Hamlet da peça homônima de Shakespeare: a dúvida. A provinciana dona-de-casa adúltera de Madame Bovary, de Flaubert: a insatisfação. Sentimentos e modos de encarar a realidade que, em larga medida, serviram de – modelos – para que milhões de apreciadores desse livros pudessem interpretar a realidade e preecher seus dias com outras maneiras de tocar a vida.

Observação

A jornalista Eliane Brum, autora de A Vida que Ninguém Vê, uma coletânea de reportagens em que recupera a história de anônimos, encarna no jornalismo o espírito de Sherazade, a contadora de histórias das Mil e Uma Noites. “Contamos sempre a mesma história. A nossa. E quem lê também lê sua própria história, mesmo que esteja lendo a do outro. Contamos e lemos histórias para ter certeza de que existimos. E de que não estamos sós na nossa dúvida sobre ser”, afirma. “Acho que contamos histórias na tentativa de preencher nosso horror. Nosso horror de vazio.”

A repórter descortinou – numa série de reportagens escritas como se fossem contos literários, repletas de recursos que estamos mais habituados a encontrar nos livros de ficção – personagens invisíveis da rua, acostumados a ser olhados com esquisitice, como produtos da loucura urbana, ou com indiferença, apagados como estátuas que perderam a novidade e fazem parte da paisagem. Para ela, olhar o cotidiano sem preconceito, buscando enxergar as muitas histórias de cada um, é um dos elementos que a empurraram para a profissão de repórter.

“É o que me fascina nas pessoas. O quanto elas são capazes de reinventar sua história apesar da brutalidade da vida. Em meus momentos de crise, declives de auto-estima nos muitos serpentários humanos desse mundo, eu costumo dizer a mim mesma: ninguém vai me dizer quem eu sou, não dou a ninguém o poder de dizer quem eu sou, eu escrevo minha história”, diz Eliane.

Reinvenção

A ficção não é exclusividade dos artistas, e sim uma reserva de sanidade acessível democraticamente. Converse com o encanador, com o eletricista, com o carteiro, com o cobrador de ônibus, e eles contarão sua vida como se fosse um livro. Qualquer um acredita que sua vida rende uma obra. A ânsia pela história sinaliza o desejo diário de ser importante, de ser útil, de ter feito o certo.

A invenção representa uma catarse, desplugar-se por alguns instantes de um mundo repleto de exigências, cobranças e demandas profissionais e migrar para um faz-de-conta, feito de formas, sinais, tramas atemporais. Algo como uma dimensão paralela, em que o prazer grita mais alto. Uma saída para juntar os cacos, preservar a solidão e a unidade. O que explica o corretor de ações fazendo trabalhos de marcenaria nas horas vagas, a psicóloga pintando quadros em seu lazer, a professora costurando bonecas no intervalo das aulas, o engenheiro compondo versos durante as noites. A gula pelo conhecimento e sensibilidade não tem limites.

Um exemplo é o taxista de Porto Alegre Mauro Castro, 43 anos, casado e pai de uma filha adolescente. Um passageiro mudou sua trajetória. Ao conduzir com freqüência o diretor de um jornal popular da capital gaúcha, foi convidado a escrever crônicas sobre o que acontecia em seu veículo de prefixo 1296. Já são mais de 200 textos em quatro anos, que resultaram no livro Diário de um Taxista. “Escrever é exercitar. A ficção me salvou de ser mais um entre 4 mil taxistas da cidade. Eu seria mais um, sou menos um”, afirma Castro.

A ficção foi quase como um programa de reabilitação. Na época anterior às crônicas, Mauro se impacientava com o trânsito, com os sucessivos engarrafamentos e com o relógio apertado. Cumprindo o turno das 7h às 17h, enfrentava a sina de morar no carro praticamente o dia inteiro numa capital movimentada. Saía engavetado do assento do carro. “Aprendi a deixar um pouco a direção e a entender a posição dos pedestres e dos demais motoristas. Não sofro mais de ansiedade. O engarrafamento pode ser lúdico. É um tempo maravilhoso para bolar enredos”, diz.

Imaginação

Toda família forma uma biblioteca. Cada elemento dela é como se fosse um livro único. Tente conversar com os irmãos, com a mãe, com o pai, consigo mesmo, e verá versões de uma mesma cena – mais do que verdades. O pai descreverá igual lembrança de um modo bem distinto do seu. Quem tem razão? Por mais que se discorde: ambos. Contar é alterar. Inviável a tarefa de repetir perpetuamente, tintim por tintim, uma fábula aos filhos antes de dormir. Haverá alguma mudança de plano, um detalhe adicional, uma adaptação que fará a maior diferença. E a criança espera justamente a variação, não o que já ouviu e sabe de cor.

A incompetência de ser igual e a tentativa de pessoalizar a existência é que enche as estantes de livros, filmes e CDs. “Somos todos ficcionistas… Alguns, profissionais”, afirma Luiz Alfredo Garcia-Roza, escritor, professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, autor de Freud e o Inconsciente.

De acordo com ele, que se consagrou também ao gerar o detetive Espinosa em uma série de romances policiais, a curiosidade é a principal característica da ficção, que leva à suspeita e desemboca na descoberta. Entre as três atividades que realiza – filosofia, psicanálise e literatura -, todas têm em comum a prática da desconfiança em nome de um entendimento maior da realidade.

O detetive Espinosa (dos romances O Silêncio da Chuva e Uma Janela em Copacabana) não o tornou melhor. “Eu diria que me deixou satisfeito”, diz, brincando. As vantagens com a elaboração de histórias de investigação no Rio de Janeiro foram subjetivas. “O grande ganho pessoal resultante da ficção literária decorre da potência que ela tem de aumentar indefinidamente os limites do universo de cada um de nós, autores e leitores. É um ganho semelhante ao da criança que fantasia. Ela está ‘em obras’, construindo seu mundo.”

Era uma vez…

Para saber mais
Livros:
* A Psicanálise dos Contos de Fada, Bruno Bettelheim, Paz e Terra
* Fadas no Divã, Diana e Mario Corso, Artmed
* O Terapeuta e o Lobo, Celso Gutfreind, Casa do Psicólogo


Matéria de Capa da revista Vida Simples, edição de abril. Confira.

Fonte: http://www.fabriciocarpinejar.blogger.com.br/

dezembro 29, 2006

Faxina da virada

Filed under: Aqui o mal geral,Montanas,Outros Escritos — maldemontano @ 12:06 pm

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Por Pandora Montana

Recesso de boas festas é um bom momento para se “arrumar as tralhas”. De repente o Papai Noel despeja seu saco em nossas casas e hora de reajeitar a bagunça do ano. E haja saco! Saco de lixo, saco de paciência, saco para reinventar uma nova vida para o ano novo que se aproxima.

 Ontem foi dia de “faxinar” o quarto da criança que tem mais brinquedos que um dia pode conter. Pecinhas, jogos, panelinhas, coisinhas, bichinhos, bonecas, carrinhos, trenzinho etc., e haja fôlego para organizar, separar, e botar em ordem a desordem do ano, cuja pressa não nos deixa parar para manter os dias “arrumados” (se é que isso é possível).

Agora, estou aqui na virada da meia-noite, assistindo “Sex and the City” (tão recomendado pela Perséfone) e pensando a volubilidade da vida, pois viver é instável, praticamente incontrolável.

Pensando nos dias perdidos, nas noites insones, nos desencontros, nas alegrias, nas decepções, enfim, refletindo sobre o ano. Ainda não estamos no dia 31 de dezembro, mas não há data certa para se rever propósitos, desejos, valores.  

Sei que 2006 (especialmente o segundo semestre) foi pancada para mim. Porém, é preciso renovar alguns itens da lista do viver. Encaixar melhor algumas peças do quebra-cabeça psicológico, consertar alguns jogos do poder capitalista e lançar novas estratégias, trocar as pilhas de vontades adormecidas, separar os dados da sorte das ondas de azar. Cuidar para que cada coisa volte ao seu lugar logo que findar (ou antes mesmo) o momento ruim e dar corda à brincadeira que nos faz feliz enquanto os olhos brilham, o tempo pára e o coração palpita.

Perpetuar o que é bom é arte. Enterrar o que é ruim é virtude. E que 2007 seja um ano de arte e virtudes, acima de tudo lúdico, divertido. Sejamos sábios para que vida não vire simplesmente entulho!

Pandora sabe que é melhor abrir algumas caixas e trancar bem  outras…

dezembro 12, 2006

Ficção ou realidade? e o “Caso Litvinenko”

Filed under: Mal do dia,Montanas,Outros Escritos — maldemontano @ 1:30 pm

  

Por Solange Pereira Pinto

  

Há muito queria escrever sobre o que distingue a ficção da realidade, se é que isso é possível. Vamos ao esboço dessa idéia.

  

Quem é escritor sabe que muitas vezes é tênue o limite que leva o leitor a “acreditar” que as cenas, ou os acontecimentos narrados no texto, foram totalmente inventados ou baseados em experiências reais.

  

Posso dizer, por mim, que vários dos meus textos são totalmente inventados, embora pareçam vividos. Acredito que essa é a arte de escrever, trazer uma verossimilhança que transporte o leitor à “ilusão da verdade”. É aí que ele se identifica e se apropria da história, reflete e transforma.  

 

Mas, quando um texto parece absurdo e é relato “ficcionado” de algo experimentado por alguém? O escritor pode por firulas, pode acrescentar nuances, pode apimentar, porém a “trama”, o enredo precisa de algo, digamos, “lógico”.

  

No entanto, a vida da atualidade está recheada de “verdades inacreditáveis”. Distinguir ficção de realidade é cada vez mais difícil. Quantas vezes já ouvi histórias de amigos, conhecidos, que jamais supus serem possíveis.

  

Escrever é um exercício de criatividade, imaginação, e, mais do que isso, coragem. Confundir o protagonista de uma obra, o narrador, ou outros personagens, com o indivíduo que escreve (o autor) é um tanto comum. Até mesmo porque várias obras têm algo de “autobiográfico” (outras não).

  

O repertório que se utiliza para a escrita não necessariamente vem da própria vida do escritor, porém de alguma forma esta ligado a algo que ele acha “possível” existir. Os temas vêm dos mais diversos olhares. De releituras. De observações. De experiências (suas ou alheias). De pura imaginação.

  

Eu, por exemplo, que estou sempre blogando tenho a mania de inventar “fatos”. Exercitar a capacidade de reinvenção da existência. Sonhos? Fantasias? Desejos? Viagens surreais? Memórias? Um pouco de tudo isso e mais. Lembrando Pessoa, “o poeta é um fingidor. Finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente”.

  

Por isso, hoje lendo a notícia do “Caso Litvinenko” (que supera a ficção, dizem escritores) fiquei pensando nas inúmeras possibilidades da escrita que podem e devem ir além da realidade, pois viver nos surpreende dia após dia. E, as bizarrices estão a solta.

  

Veja a notícia abaixo.

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Caso Litvinenko supera a ficção, dizem escritores

 

Por Paul Majendie

   

LONDRES (Reuters) – A vida supera a ficção. Para os escritores de romances de mistério, o envenenamento por material radioativo do ex-espião russo Alexandre Litvinenko é um caso típico em que a realidade supera a criatividade literária.

 

Cada novo desdobramento da trama macabra vem dando origem a novas teorias da conspiração, ressuscitando lembranças dos tempos da Guerra Fria e abalando as relações diplomáticas entre Rússia e Grã-Bretanha.

 

Litvinenko, enterrado na semana passada no mesmo cemitério londrino onde está Karl Marx, acusou antes de morrer o presidente Vladimir Putin pelo envenenamento, o que o Kremlin negou com veemência.

 

A caça a vestígios de radiação passou por aviões, hotéis e hospitais, de Londres a Moscou, de Roma a Hamburgo.

 

Frederick Forsyth, um dos escritores de suspense mais famosos do mundo, disse que seus editores jamais acreditariam numa trama dessas. “Acho que meu editor me aconselharia a abandoná-la e preferir alguma coisa mais realista”, disse o escritor, que fez fama com “O Dia do Chacal“, sobre um plano para assassinar o presidente francês Charles de Gaulle.

 

“Acho que meu editor me diria que eu estava exagerando e que eu devia dar um tempo. Está ficando muito difícil escrever alguma coisa que não fique superada, por mais bizarra e maluca que seja”, disse ele à Reuters.

 

Fascinado pelo caso Litvinenko, ele afirmou: “É o que sempre aconteceu, e está ficando pior, primeiro dentro da Rússia, e agora, parece, para além de suas fronteiras. Não vimos esse tipo de assassinato por encomenda no exterior há 20 anos”.

 

“Mas por que preferir esse jeito bizarro de executá-lo, deixando toda essa confusão como rastro?”, questionou.

 

John Le Carré, cujos livros como “O Espião que Veio do Frio” evocam o clima da Guerra Fria, evita se envolver no caso. “Decidi resistir às perguntas sobre esse assunto”, disse ele à Reuters, respondendo a um pedido de entrevista por email. “Com as provas que temos diante de nós confesso minha total perplexidade e não considero minhas conjecturas mais críveis que as de qualquer outra pessoa”.

 

O soldado britânico que virou escritor Andy McNab, que ficou famoso com o livro de 1993 “Bravo Two Zero“, onde narra uma missão fracassada do SAS (Serviço Aéreo Especial) na Guerra do Golfo, disse: “A realidade é sempre mais estranha que a ficção”.

 

Assim como Forsyth, ele acha que não conseguiria vender a história para seus editores. “Tentar explicar essa trama para eles seria um pesadelo”, disse McNab. “Todo mundo ficaria confuso”.

  

 

 

 

dezembro 6, 2006

O velho Mal… por anos… Parte I – Gustave Flaubert

Filed under: Mal do dia,Montanas,Outros Escritos,Resenhas — maldemontano @ 12:00 am

  Por Solange Pereira Pinto 

Não sei que nome dar a este texto. Nem o título eu consegui conceber muito bem. O fato é que estou encantada (ou viciada?) pelos “desabafos” de Gustave Flaubert. Por isso, resolvi fazer uma escavação e apresentar aqui no Mal de Montano pedaços de trilhas.

A vontade mesmo era dizer a todos: LEIAM. Então, eu digo: LEIAM.

No entanto, para quem sabe despertar um desejo, não me contenho e vou divulgar uns sublinhados. (É. Eu tenho o péssimo hábito de marcar os livros que me marcam. Talvez, uma doce vingança. Além de fazer meus comentários nos mínimos espaços brancos que circundam as palavras impressas, sejam agradáveis ou não).

Não quis “interpretar”, pois como, apropriadamente, disse Kierkegaard cada um que leia (de preferência o original, que não é aqui o caso) e tire suas próprias conclusões. Apesar de que “selecionar” já é uma maneira de induzir o outro a um olhar “prévio”. Tatarará! Vamos nessa!

  

Gustave Flaubert (1821-1880) começou a escrever “Madame Bovary” em 1851 (aos 30 anos) e finalizou a obra em 1856. Isso é o que diz “Cartas Exemplares” (Ed. Imago, 2005, tradução de Carlos Eduardo Lima Machado). Mas, a verdade é que Flaubert inicia sua devoção pela escrita ainda menino, por volta dos dez anos.

  

As correspondências estão “divididas” em três partes. Infância. Os anos de aprendizado (1821-1851). Os anos de Madame Bovary (1851-1856). De Salammbô a Bouvard et Pécuchet (1856-1880).

  

Na primeira parte do livro, as correspondências enviadas a Ernest Chevalier, Gougaud-Dugazon, Louis de Cormenin, Alfred Le Poittevin, Maxime du Camp, Louise Colet, Louis Bouilhet, Mme. Anne-Justine-Caroline Flaubert (sua mãe) revelam a ansiedade, os obstáculos, a obsessão e as dúvidas do futuro autor de Bovary em relação à arte de escrever.

  

Em muitos trechos ficam claros os conflitos vividos tão jovem. Ele que, por assim dizer, já “sofria do Mal de Montano”, a “doença diagnosticada” na obra de Enrique Vila-Matas. Então, nessa brincadeira do “Mal”, vamos a algumas passagens.

  

Diz para Ernest Chevalier, aos 18 anos: “[…] se eu vier a tomar alguma parte ativa no mundo será como pensador e desmoralizador. Eu serei obrigado a dizer a verdade, mas ela será horrível, crua e nua.” (p. 18).

  

Aos 21 anos escreve à Gougaud-Dugazon: “[…] Mas o que me freqüenta a cada minuto, o que me tira a pena das mãos quando estou tomando notas, o que me faz deixar o livro quando leio, é meu velho amor, é a mesma idéia fixa: escrever! É por isso que não faço nada, embora me levante bem cedo e saia muito pouco” (p. 19).

  

À Alfred Le Poittevin revela: “[…] A única maneira de não ser infeliz é encerrar-se na Arte e contar como nada todo o resto; o orgulho substitui tudo, quando está assentado sobre uma base firme. Quanto a mim, estou de fato muito bem, depois que aceitei estar sempre mal”. (p. 21).

  

“[…] Estou me tornando artista com uma dificuldade que me desola; vou acabar sem escrever uma só linha. Creio que poderei fazer coisas boas; mas me pergunto sempre, para quê?”. Trecho da carta enviada à Máxime du Camp em 1846. (p.24).

  

Já Louise Colet, poetisa, amante e confidente de Flaubert, recebe a maioria das correspondências disponíveis na primeira parte do livro. É para ela que ele descreve mais profundamente a si mesmo, das contradições, paradoxos, aos  “piores e melhores” sentimentos quanto à vida, aos críticos, e ao ato da escrita. A angústia, decepção, instabilidade, euforia e persistência acompanham suas linhas. Alguns fragmentos a seguir:

   “[…] A deplorável mania de análise me esgota. Eu duvido de tudo, e até mesmo de minha dúvida.” (p. 25).  

“[…] Eu sempre evitei colocar algo de mim em minhas obras, e no entanto coloquei muito.” (p. 27).

  

“[…] Eu escrevo para mim, só para mim, como eu fumo e como eu durmo. É uma função quase animal, de tão pessoal e íntima”. (p. 34).

  

“[…] Há dias em que fico doente e em que, à noite, tenho febre. Mais eu avanço e mais eu me acho incapaz de alcançar a Idéia. Que mania esquisita essa de passar sua vida a trabalhar sobre as palavras e a suar todo dia para arredondar períodos! Há momentos, é verdade, em que se goza, desmedidamente; mas em troca de quantos desencorajamentos e amarguras não se compra este prazer!”. (p. 35).

  

“[…] Me vejo tentado a abandonar tudo e fazer coisas mais fáceis”. (p. 36)

  

“[…] Não é um negocio fácil ser simples. Eu tenho medo de cair em Paul de Kock ou fazer Balzac ao modo de Chateaubriand.” (p. 43). Parte final da carta escrita à Louise Colet, em 1951, quando começa o romance Madame Bovary.

  

Em seguida, “Cartas Exemplares” traz o escritor atormentado com a elaboração do seu mais famoso romance. Contudo, essa parte eu ficarei devendo (nem vou prometer fazê-la tão breve! Às vezes me falta o ânimo tão bem descrito por Gustave).

   Posso adiantar que as correspondências desse segundo período são fascinantes. Mostra um escritor refletindo profundamente sobre sua atividade. Um Flaubert mais maduro, e ainda assim com todos dilemas e inseguranças que parecem jamais abandonar quem decide viver para e pelas palavras. A terceira parte lerei amanhã. 

É ler para ver além do que eu vi. Combinado?

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